Histórias sobre edifícios portugueses antigos
Histórias sobre edifícios portugueses antigos
Da mesma forma que não devemos julgar um livro pela capa, também não conseguimos descortinar as narrativas por trás dos edifícios somente olhando a sua fachada. Muitos deles, além do carisma, escondem histórias peculiares. O Imovirtual foi desvendá-las.
Monumental, em Lisboa, Palácio de Cristal, no Porto e Prédio Coutinho, em Viana de Castelo: o que têm em comum? Foram todos alvo de processos de demolição. Ou vão ser, como é o caso do polémico prédio residencial da cidade minhota, que passados 21 anos terá um ponto final na sua história. Quanto aos outros dois casos, o detalhe reside no facto de não existem resquícios das construções originais. Mas o nome ficou, assim como a sua importância para o desenvolvimento das cidades em que estão inseridos e ainda hoje fazem parte do nosso dia a dia.
O nosso país é um dos mais ricos a nível arquitetónico, mas ao longo destes anos têm sido tomadas boas e más decisões no que toca à construção, alteração ou demolição de prédios. E a prova disso são estes 9 edifícios, que quebraram barreiras, marcaram gerações, estabeleceram-se como locais de culto ou foram deixados ao deus dará. Conheça agora as suas histórias.
AO ABANDONO
Lisboa: Panorâmico de Monsanto
Panorâmico de Monsanto
Num trabalho sobre o emblemático local do Parque Florestal de Monsanto, o Jornal Expresso apelidou-o de ÓVNI, “imóvel e enigmático, a olhar a cidade, quase sem ser visto”. Uma definição adequada, já que agora este é um local praticamente abandonado e mal aproveitado, que recebe alguns eventos e tenta cumprir uma das muitas funções que para ele foram idealizadas: a de miradouro.
A vista 360º e o conceito inovador não chegaram para manter o Panorâmico de Monsanto em bom caminho. A estrutura do edifício continua de pé e a Câmara Municipal de Lisboa até efetuou pequenos trabalhos para tornar o local mais seguro para as centenas de curiosos que visitam o miradouro, mas o espaço tinha potencial para ser tão mais do que somente as paredes graffitadas, os vidros partidos e o lixo acumulado.
Panorâmico de Monsanto
O edifício começou a ser projetado há 50 anos atrás, mais coisa menos coisa, pelo arquiteto camarário Carlos Chaves Costa. Dispunha de 7 pisos onde se localizavam, Miradouro, Depósito de Água, Restaurante, Snack-bar, Escritórios, Armazém e Sala de Bingo. A sua construção viria a ficar concluída em meados do início da década de 70 e a 4 de março de 1970, o espaço foi inaugurado. Desde então, e tal como aponta o Expresso, o Panorâmico só funcionou em pleno entre 1984 e 1985; nos outros anos, ora esteve fechado, ora funcionou esporadicamente.
NO CORREDOR DA MORTE
Lisboa: Prédios Devolutos de Picoas
Edifícios Fontes Pereira de Melo
Ao todo são três os prédios em ruínas que constituem a paisagem urbana de uma das Avenidas mais nobres e mais movimentadas de Lisboa. Os edifícios devolutos da Fontes Pereira de Melo ficaram conhecidos em 2010, altura em que as suas fachadas foram pintadas pelos artistas do projeto Crono, do qual fez parte o artista plástico português VHILS e os norte-americanos Brad Downey e Momo. Este trabalho foi classificado pelo The Guardian como uma das melhores obras de street art do mundo.
Além de não passarem despercebidos pelas obras de arte que albergam, os prédios também chamam à atenção pelas suas janelas tapadas com tijolos e pelo seu aspeto “abandonado”. Por isso, a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) avançou em outubro de 2020 para a demolição dos imóveis. Ao Jornal i foi confirmada a execução de “trabalhos de demolição”, bem como o registo de uma derrocada num dos edifícios no início de 2019, o que levou a uma proposta para a demolição integral do referido “alegando riscos de segurança para pessoas e bens”.
Edifícios Fontes Pereira de Melo
Certo é que após comunicada a intenção da DGPC, foi lançado um abaixo-assinado para manifestar o descontentamento a respeito da demolição dos três edifícios da Fontes Pereira de Melo. De acordo com o Jornal i, a petição defende a “importância patrimonial e com forte impacto no tecido urbano da cidade” do conjunto de prédios e pede que ao invés da demolidos, estes sejam restaurados.
Viana do Castelo: Prédio Coutinho
Prédio Coutinho
As críticas à construção do Prédio Coutinho, o edifício de 13 andares situado em pleno centro histórico de Viana do Castelo, começaram logo no início da década de 70, altura da construção do imóvel. Em 1972, a Câmara Municipal de Viana do Castelo (CMVC) vendia em hasta pública parte do terreno onde existia o antigo mercado municipal. O negócio foi fechado por Fernando Coutinho pela importância de 7500 contos, o que corresponde sensivelmente a 37 410€.
No ano seguinte, o proprietário apresenta à CMVC e em março o projeto acabou por ser aprovado, mas em junho do mesmo ano é criada uma portaria governamental que estabelece a Zona Arqueológica de Viana do Castelo e da qual faz parte o terreno do antigo mercado municipal. O diploma assume que todos os projetos para aquela zona necessitam de aprovação da Direcção-Geral dos Assuntos Culturais (DGAC).
Assim, em março de 1974, a DGAC veio afirmar que a obra foi realizada sem “autorização superior”. O primeiro pedido de demolição do Prédio Coutinho é feito já depois da revolução, em 1975, com a autarquia a considerar a sua construção “o maior atentado à harmonia” da cidade. Mas é em 2000 que o pedido oficial chega, com a apresentação do Programa Polis de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental de Viana do Castelo que prevê a demolição do edifício. Segue-se uma luta judicial entre os moradores e a sociedade VianaPolis que durou 21 anos.
Acabou por chegar ao fim no passado mês de abril, “As pessoas estão a desmobilizar. Algumas já entregaram as chaves, outras pediram mais algum tempo para conseguirem retirar o resto da mobília, mas tanto quanto sabemos, em termos de pessoas, já está desocupado. Já não viverá lá ninguém”, disse Tiago Delgado, administrador executivo da sociedade VianaPolis em declarações ao Jornal de Notícias.
O início das obras de demolição do Prédio Coutinho está previsto para setembro ou outubro deste ano.
SÓ O FUTURO O DIRÁ
Sintra: Antigo Hospital
Antigo Hospital de Sintra
Seis pisos, uma pequena capela e uma área bruta de 1996m2: esta é a composição do Antigo Hospital de Sintra que está à venda no Imovirtual por 5 milhões de euros. O edifício data do século XVI e a sua história está associada à Santa Casa da Misericórdia de Sintra, uma instituição que surgiu em 1545 pela mão da Rainha D. Catarina, esposa de D. João III.
No século XX, o Hospital da Misericórdia, nome pelo qual era conhecido, sofreu uma modernização e passou a contar com um serviço de radiologia a partir de 1940. Trinta anos depois, foi novamente alvo de obras de requalificação sendo que o número de especialidades médicas foi aumentado. Em 1974, o Hospital viria a ser nacionalizado para anos mais tarde, na década de 90 ser encerrado definitivamente por não reunir as condições de funcionamento necessárias.
Antigo Hospital de Sintra à venda no Imovirtual
Desde então não há registos de atividade naquele edifício. No anúncio publicado no imóvel pode ler-se que o imóvel “foi recém restaurado com uma infraestrutura para receber uma Clínica. Pode ser igualmente adaptado para um Hotel”. O desfecho deste edifício com história, só o futuro dirá, mas certo é que a sua localização privilegiada no centro da Vila, perto do Palácio Nacional de Sintra e do Museu de História Natural é um ponto a favor para a concretização e preservação do Antigo Hospital.
O NOME FICOU, O EDIFÍCIO NÃO
Lisboa: Cinema Monumental
Antigo Cinema Monumental
É um dos edifícios mais emblemáticos de Lisboa, mas a verdade é que nem sempre teve a aparência espelhada que conhecemos nos dias de hoje. Desde 1951, altura em que foi inaugurado o Cinema Monumental na Praça Duque de Saldanha, o local já sofreu várias transformações. E a mais recente está a acontecer neste momento, com a modernização do Monumental para que se torne mais eficiente e sustentável. O edifício inicialmente foi projetado pelo arquiteto Raúl Rodrigues Lima, já acolheu um cine-teatro, um centro comercial e agora será ocupado em 80% pelo Banco BPI.
Quanto à construção original, inseria-se na estética modernista que marcou algumas das obras públicas do Estado Novo. A sala de cinema e a sala de teatro albergavam mais de 1000 espectadores cada. De acordo com o Instituto Camões, a decoração requintada “apresentava lustres imponentes, maples requintados, grandes escadarias, mármores e apontamentos dourados”. Ao longo dos seus anos no ativo foram feitas melhorias, como a adição de uma sala de cinema de dimensões reduzidas construída no último piso do prédio. Apesar da popularidade e grandiosidade do Monumental, o edifício original viria a ser demolido em meados de 1984 por ordem do executivo camarário liderado por Nuno Krus Abecasis.
Futuro Monumental
O nome ficou, mas no mesmo lugar foi erigido um edifício muito diferente do original, com janelas espelhadas e uma dimensão muito maior, passando a albergar lojas, escritórios e quatro salas de cinema. Atualmente e como já referimos, o Monumental está de novo a passar por obras de requalificação e prevê-se que fique com a aparência que se vê na foto acima.
Porto: Palácio de Cristal
Palácio de Cristal
Apesar de ainda ser conhecido como Palácio de Cristal, a verdade é que o edifício original foi demolido em 1952 para dar lugar ao Pavilhão dos Desportos, que surgia então para albergar o Campeonato Mundial de Hóquei em Patins. Era o fim de uma era: ao longo dos seus 86 anos de existência o verdadeiro Palácio de Cristal acolheu várias exposições.
Construído com o objetivo de acolher a Exposição Internacional do Porto, que teve a participação de mais de 4.300 expositores de 25 países, o espaço inaugurado em 1865 contou com a presença de ilustres personalidades da sociedade portuguesa como o Rei D. Luís, D. Maria Pia e o Príncipe Carlos. O auge do Palácio de Cristal deu-se em 1934, quando recebeu a Exposição Colonial do Porto que, de acordo com o Blog Portualities, “tinha como objetivo reconhecer o Estado Novo como um regime moderno num Portugal Imperial”.
Atual Palácio de Cristal
A beleza da construção inspirada no Crystal Palace em Londres não chegou para a manter viva. Nos belos Jardins que acolhiam o edifício, hoje existe apenas a nave de betão em forma de “OVNI” que é conhecida por todos como Pavilhão Rosa Mota ou simplesmente por Palácio de Cristal, em honra da memória do edifício que em tempos foi um importante polo da cultura da cidade do Porto.
CASO DE SUCESSO
Caldas da Rainha: Hotel Lisbonense atual Hotel Sana Silver Coast
Hotel Lisbonense
Anteriormente conhecido como Hotel Lisbonense, hoje alberga uma das maiores cadeias hoteleiras nacionais: o Sana Silver Coast junta o requinte à história. Nos tempos áureos, o Lisbonense esteve fortemente ligado à tradição termal das Caldas da Rainha, não fosse este o local onde o rei D. Carlos I e a Família Real permaneciam quando visitavam a cidade do Oeste para ir a banhos.
Todavia, a unidade hoteleira entrou em declínio por volta dos anos setenta, altura em que chegou a receber os cidadãos das ex-colónias. Eventualmente viria a ficar ao abandono e apesar do interesse de vários investidores neste ativo, a verdade é que as ruínas do edifício conviveram por muitos anos com a bela paisagem do Parque D. Carlos I, um dos ex-líbris das Caldas da Rainha. Tudo porque a autarquia exigia que os novos proprietários mantivessem a fachada original do edifício.
Hotel Sana Silver Coast
E assim foi: em 2011 era inaugurado o Hotel Sana Silver Coast, uma unidade de 4 estrelas, que segundo o Região de Leiria, foi orçada em 7 milhões de euros. Mas esta obra de reconstrução ficou marcada por uma derrocada da fachada em julho de 2008, que causou ferimentos em dois operários.
Veja também:
- 6 lugares estranhos que se tornaram casas
- Parques e Jardins para fazer piqueniques em Lisboa e Porto
- E se os gatos pudessem escolher uma casa?