Esta seria a casa de D. João V, o rei que foi “menino de ouro” e mulherengo, se ele vivesse em 2021
E se D.João V vivesse nos dias de hoje: como seria a sua casa?
O exercício é simples: como seria a casa de um ex-monarca português se ele tivesse que viver estes loucos anos de 2020 em diante? A partir de alguns traços bem vincados da personalidade dos reis, pedimos ajuda ao investigador e historiador João Ferreira, autor de vários livros sobre a monarquia portuguesa, para um exercício de imaginação cruzada com conhecimento histórico.
Com o contributo do Imovirtual, que ajuda a construir essas casas imaginadas, este artigo é sobre D. João V e faz parte de uma série mais alargada, que inclui outros três monarcas decisivos na história portuguesa e até brasileira: D. Afonso Henriques, D. Dinis e D. Maria II.
João Francisco de seu nome, o menino que viria a ser El-Rei D. João V nasceu mimado e mimado morreu. Não admira: por um lado, foi criado pela tia-avó, Catarina de Bragança, e já se sabe como são as avós. Catarina de Bragança é essa mesmo, a rainha-consorte de Inglaterra, que levou a tradição do chá para o país onde ele é hoje tão famoso, e que voltou a Portugal após a morte do marido. Catarina engravidou três vezes e três vezes sofreu abortos. O menino João Francisco foi o filho que ela nunca teve.
Por outro lado, não houve rei mais rico do que D. João V, que ascendeu ao trono aos 17 anos e a quem nunca faltaram ideias sobre como usar o dinheiro. Não só para o país como para si próprio.
Há uma razão que explica toda essa riqueza: foi nos anos do seu longo reinado que se descobriu que o subsolo brasileiro era rico em ouro, diamantes e pedras preciosas, o que levou muitos portugueses a abandonar o país rumo à América Latina. Mas eles ainda nem iam a meio da viagem e já D. João V tinha inventado um imposto.
O “quinto”, assim se chamava, obrigava a que 20% de toda a riqueza extraída no Brasil viesse parar às mãos da Coroa Portuguesa. O imposto já existia, como lembra o historiador João Ferreira, mas nunca nenhum rei tinha tido hipótese de o usar com um material tão valioso (dá para ver a diferença entre cobrar um quinto de malaguetas ou um quinto de uma barra de ouro, não dá?).
D. João V nunca teve vergonha de ser rico. Pelo contrário, fazia questão de o mostrar, era o Rei-Ostentação, o Rei-Sol português, se tivéssemos tido um. Se fosse hoje, faria lembrar um certo presidente dos EUA, que um dia mandou forrar as paredes da Casa Branca com ouro.
Conta-se que em visitas a França e Itália, D. João V andou a atirar moedas de ouro à população, para mostrar como se vivia bem em Portugal. Em alturas como essas, encarnava mesmo o cognome de “O Magnânimo”.
Mas João Ferreira tem uma ressalva a fazer. “Ele era um deslumbrado pelo luxo, mas, atenção, Portugal deve-lhe muito. As obras que mandou construir desculpam tudo. Nessas, gastou muito bem o dinheiro.” Três exemplos:
- Convento de Mafra, em Mafra
- Biblioteca joanina, em Coimbra
- Aqueduto das Águas Livres, em Lisboa
Em cada cidade, uma grande obra; em cada esquina, um imposto para a pagar. João Ferreira lembra que nem tudo foi feito com o ouro do Brasil, já que para o Aqueduto, que resolveu o problema do abastecimento de água em Lisboa, o rei usou o dinheiro do imposto da água. Se D. João V reinasse em 2021, os anexos da declaração de IRS seriam um mundo.
A descrição mais conhecida de D. João V foi feita por José Saramago, no livro “Memorial do Convento”, que conta a história da construção do Convento de Mafra. Resumidamente, Saramago descreve o rei assim: “megalómano, infantil, devasso, libertino e ignorante”. Os primeiros dois adjetivos estão explicados lá em cima, abaixo explicamos os restantes.
Um rei que também soube fazer bom uso do ouro que chegou a Portugal em grandes quantidades durante o seu governo, e que se encantou tanto pelas cidades quanto pelas vilas e meios rurais do país. Seria em uma grande vivenda em Sintra que João Francisco gostaria de passar os seus dias em 2021. Também gostaria de ver opções de vivendas a venda em Sintra, então clique aqui
Mas é no interior da casa que se revelam os maiores mistérios da vida do rei. D. João V era um forte apreciador de sexo, de preferência com qualquer mulher que não a dele. Era um “freirático”, o nome que se dava aos homens com uma predileção por freiras. A mais conhecida é a Madre Paula, com quem teve alguns filhos. Há até uma série da RTP, que depois chegou à HBO Portugal, sobre esse romance entre os dois.
João Francisco não perdia uma missa, não falhava uma procissão. Mas do que ele gostava mesmo quando se metia num convento não era de orar. Sem vergonha dos filhos que fazia fora do casamento, ele assumiu três, só um da Madre Paula: D. António, D. Gaspar e D. José (de Paula), que ficaram conhecidos como os “Meninos de Palhavã”. Porquê? Porque D. João V destinou-lhes um imenso palácio, o Palácio de Palhavã, em Lisboa, onde é hoje a Embaixada de Espanha — que fica ali na Praça (isso mesmo) de Espanha. E que na época, em que Lisboa era muito menor do que é hoje, ficava numa zona considerada rural e fora da capital.
A sala seria, por isso, o espaço preferido da casa do rei “Magnânimo”. Um espaço à sua imagem, opulento, decorado com os melhores materiais possíveis, mais tranquilo e descontraído o suficiente para poder receber visitas a qualquer hora. Um lugar de conforto e encontro, de convívio e de festa, mas também de discussão política e económica. A assoalhada preferida do mulherengo que sabia quando era hora de poder mãos à obra e trabalhar pelo país.
Opulento, com ouro nos candeeiros, nos objetos e até no corpo, D. João V do século 21 não seria rei, mas teria uma casa à imagem de si próprio. Sempre com espaço para mais um papel de IRS ou para mais uma visita de uma dating app. Se estiver curioso em ver as casas mais caras de Sintra, clique aqui
Apesar dos bastardos que teve na juventude, faltava a D. João V um filho legítimo, um descendente que ficasse com o trono. Como a situação conjugal com a esposa, D. Maria Josefa da Áustria, não era das mais famosas, segundo a descrição de José Saramago, o rei prometeu mandar construir um enorme convento se conseguisse engravidar a esposa. O escritor conta essa jornada com passagens deliciosas:
- Sobre a cama onde o casal vai tentar a sorte: “Esta é a cama que veio da Holanda quando a rainha veio da Áustria, mandada fazer de propósito pelo rei, a cama, a quem custou setenta e cinco mil cruzados, que em Portugal não há artífices de tanto primor, e, se os houvesse, sem dúvida ganhariam menos. A desprevenido olhar nem se sabe se é de madeira o magnífico móvel, coberto como está pela armação preciosa, tecida e bordada de florões e relevos de ouro, isto não falando do dossel que poderia servir para cobrir o papa”
- Sobre a mentalidade de D. João V e daquele Portugal. Dona Josefa “chegou há mais de dois anos da Áustria para dar infantes à coroa portuguesa e até hoje não emprenhou (…) provavelmente tem a madre seca”
- Sobre a falta de intimidade do casal. “Entraram com el-rei dois camaristas que o aliviaram das roupas supérfluas, e o mesmo faz a marquesa à rainha, de mulher para mulher, com ajuda doutra dama, condessa, mais uma camareira-mor não menos graduada que veio da Áustria, está o quarto uma assembleia, as majestades fazem mútuas vénias, nunca mais acaba o cerimonial, enfim lá se retiram os camaristas por uma porta, as damas por outra, e nas antecâmaras ficarão esperando que termine a função”
- Sobre a mulher submissa, cujo único papel é o de engravidar. “Adormece no meio duma ave-maria cheia de graça, ao menos com essa foi tudo mais fácil, bendito seja o fruto do vosso ventre, ao menos um filho, Senhor, ao menos um filho”
Saiu uma filha, Maria Bárbara. E D. João V ficou desiludido por não ser um homem (ainda haveria de ter alguns). Os adjetivos de Saramago estão explicados.
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